quarta-feira, 20 de março de 2013

Os pilares da descrença - Kant, o subjetivizador da Verdade

Tradução de: http://www.peterkreeft.com/topics-more/pillars_kant.htm
Poucos filósofos na história foram tão ilegíveis e secos como Immanuel Kant. Entretanto, poucos tiveram um impacto tão devastador no pensamento humano.
Dizem que o devotado servo de Kant, Lampe, leu fielmente cada coisa que seu mestre publicou, mas quando Kant publicou seu mais importante trabalho, "A Crítica da Razão Pura", Lampa o começou mas não terminou porque, ele disse, se ele devia fazê-lo, deveria ser em um hospício. Muitos estudantes desde então têm ecoado os seus sentimentos. 
Mesmo assim, esse professor abstrato, que escreve em estilo abstrato sobre questões abstratas, é, acredito eu, a fonte primária da ideia que hoje impera na fé (e consequentemente nas almas) mais do que qualquer outra; a ideia de que a verdade é subjetiva.
Os simples cidadãos de sua nativa Konigsberg, Alemanha, onde ele viveu e escreveu na segunda metade do século 18, entender isso melhor do que os acadêmicos profissionais, pois o apelidaram de "O Destruidor" e chamaram seus cachorros por seu nome.
Ele era um homem de bom temperamento, doce e piedoso, tão pontual que seus vizinhos acertavam seus relógios por sua caminhada diária. A intenção básica de sua filosofia era nobre: restaurar a dignidade humana por meio de um mundo cético que valorizasse a ciência.
Essa intenção ficou clara por uma simples anedota. Kant estava assistindo uma aula de um astrônomo materialista, no tópico sobre o lugar no homem no universo. O astrônomo concluiu sua aula com: "Então vocês veem que, astronomicamente falando, o homem é completamente insignificante." Kant respondeu: "Professor, o senhor esqueceu a coisa mais importante, o homem é o astrônomo."
Kant, mais do que qualquer outro pensador, deu ímpeto à troca tipicamente moderna do objetivo pelo subjetivo. Isso pode soar bem, até que percebemos que isso significava para ele a redefinição da verdade em si mesma como subjetiva. E as consequências dessa ideia foram catastróficas.
Sempre que entramos em uma conversa sobre nossa fé com descrentes, sabemos pela experiência que o obstáculo mais comum à fé hoje não é nenhuma dificuldade intelectual honesta, como o problema do mal ou o dogma da trindade, mas a assunção de que a religião não é capaz de possivelmente explicar os fatos e a verdade objetiva em geral; que qualquer tentativa de convencer outra pessoa de que sua fé é verdadeira -- objetivamente verdadeira, verdadeira para todos -- é uma arrogância impensável.
O negócio da religião, de acordo com essa mentalidade, é prática e não teoria; valores, não fatos; algo subjetivo e privado, não objetivo e público. O dogma é um "extra", e mau porque incentiva o dogmatismo. Religião, sucintamente, é equivalente a ética. E desde que a ética cristã é muito similar à ética da maioria das outras grandes religiões, não importa se você é um cristão ou não; o que importa é se você é uma "boa pessoa". (As pessoas que acreditam nisso também acreditam normalmente que todos, exceto Adolf Hitler e Charles Manson são "boas pessoas".)
Kant é largamente responsável por esta via de pensamento. Ele ajudou a sepultar a síntese medieval da fé com a razão. Ele descreveu sua filosofia como "limpar as pretensões da razão em abrir espaço para a fé" -- como se a fé e a razão fossem inimigas e não aliadas. Em Kant, o divórcio de Lutero entre a fé e a razão se completou.
Kant pensava que a religião nunca poderia ser um tópico da razão, evidência ou argumento, ou ainda do conhecimento, mas de sentimentos, motivações e atitudes. Essa assunção influenciou profundamente a mente dos educadores mais religiosos (ex: escritores de catecismos e departamentos de teologia) hoje, que afastaram sua atenção dos simples "esqueletos" da fé, os fatos objetivos narrados na Escritura e sumarizados no Credo dos Apóstolos. Eles divorciaram a fé da razão e a casaram com psicologia popular, porque adotaram a filosofia de Kant. 
"Duas coisas me enchem de assombro," Kant confessou: "o céu estrelado lá em cima e a lei moral abaixo dele." O que assombra um homem preenche seu coração e direciona o seu pensamento. Note que Kant se assombra sobre duas coisas: não Deus, não Cristo, não Criação, Encarnação, Ressurreição e Julgamento, mas "o céu estrelado lá encima e a lei moral aqui dentro". "O céu estrelado lá em cima" é o universo físico como conhecido pela ciência moderna. Kant relega tudo o mais para a subjetividade. A lei moral não é externa, mas interna, não é objetiva, mas subjetiva, não é uma Lei Natural de certos e errados objetivos que vêm de Deus, mas uma lei feita pelo homem, pela qual nós decidimos nos obrigar. (Mas se nos obrigamos a nós mesmos, estamos realmente obrigados?) A moralidade é uma questão de intenção subjetiva somente. Não tem nenhum conteúdo, exceto pela Regra de Ouro (o "imperativo categórico" de Kant).
Se a lei moral veio de Deus e não do homem, Kant argumenta, então o homem não seria livre no sentido de ser autônomo. Como isso é verdade, Kant então procede argumentando que o homem tem que ser autônomo, então a lei moral não vem de Deus, mas do homem. A Igreja argumenta a partir da mesma premissa de que a lei moral vem, de fato, de Deus, então o homem não é autônomo. Ele é livre para escolher obedecer ou não a lei moral, mas não é livre para criar a lei por si mesmo.
Apesar de Kant se considerar um cristão, ele explicitamente negava que poderia conhecer que realmente existe: (1) Deus, (2) livre-arbítrio, e (3) imoralidade. Ele disse que devemos viver como se essas ideias fossem verdadeiras porque se acreditarmos nelas nós iremos tomar a moralidade seriamente, senão não iríamos. Essa é a justificação da fé por razões puramente práticas que são um terrível erro. Kant acreditava em Deus não porque ele é verdade, mas porque ele é útil. Porque não acreditar em Papai Noel então? Se eu fosse Deus, eu iria favorecer um ateu honesto a um teísta desonesto, e Kant é para mim um teísta desonesto, porque há somente uma razão honesta para acreditar em algo: porque é verdade.
Aqueles que tentar vender a fé cristã no sentido kantiano, como um "sistema de valores" ao invés da verdade, têm falhado por gerações. Com tantos outros "sistemas de valores" competindo no mercado, porque alguém preferiria a variação cristã a outras mais simples, com menos bagagem teológica, mais fáceis, com menos demandas morais inconvenientes?
Kant abandonou a batalha, efetivamente, recuando do campo de batalha dos fatos. Ele acreditava no grande mito do século 18, o "Iluminismo" (nome irônico!): que a ciência Newtoniana iria ficar e que o cristianismo, para sobreviver, deveria encontrar um novo lugar na nova mentalidade desenhada pela nova ciência. O único lugar restante era a subjetividade.
Isso significava ignorar ou interpretar como mito as afirmações sobrenaturais e milagrosas da cristandade tradicional. A estratégia de Kant era essencialmente a mesma da de Rudolf Bultmann, o pai da "desmistificação" e o homem que pode ter sido responsável pela perda da fé de mais estudantes nas escolas católicas do que qualquer outro. Muitos professores de teologia seguem suas teorias de criticismo que reduzem as afirmações bíblicas de testemunhos de milagres a meros "mitos", "valores" e "interpretações piedosas".
Bultmann disse isso sobre o suposto conflito entre a fé e a ciência: "O mundo descrito pela ciência está aí para ficar  e irá reivindicar seus direitos contra qualquer teologia, ainda que grandiosa, que se conflite com ele". Ironicamente, a mesma "descrição científica do mundo" da física Newtoniana que Kant e Bultmann aceitavam como absoluta e imutável, hoje em dia é quase universalmente rejeitada pelos próprios cientistas!
A questão básica de Kant era: Como podemos saber a verdade? Cedo na vida nós aceitamos a resposta do racionalismo, de que sabemos a verdade através do intelecto, não dos sentidos, e que o intelecto possui em si "ideias inatas". Então nós lemos o empirista David Hume, que, dizia Kant, "me acordou de meu sonho dogmático". Como outros empiristas, Hume acreditava que nós poderíamos conhecer a verdade somente através dos sentidos e que não havia "ideias inatas". Mas as premissas de Huma o levaram à conclusão do ceticismo, a negação de que nós podemos conhecer realmente a verdade com alguma certeza. Kant via ambos, o "dogmatismo" do racionalismo e o ceticismo do empirismo, como inaceitáveis, e vislumbrou uma terceira via.
Havia tal terceira teoria disponível, desde Aristóteles. Era a filosofia do senso comum, o realismo. De acordo com o realismo, nós podemos conhecer a verdade através de ambos, o intelecto e os sentidos, somente se eles funcionassem apropriadamente e conjuntamente, como as duas lâminas de uma tesoura. Ao invés de retornar ao tradicional realismo, Kant inventou uma totalmente nova teoria do conhecimento, usualmente chamada idealismo. Ele a chamou de sua "revolução copernicana na filosofia". O termo mais simples para ela é subjetivismo. Ela equivale a redefinir a verdade em si como subjetiva, não objetiva.
Todos os filósofos anteriores tinham assumido que a verdade era objetiva. Isso é simplesmente o que o senso comum toma por "verdade": saber o que realmente é, conformando a mente à realidade objetiva. Alguns filósofos, (os racionalistas) pensavam que poderíamos atingir esse objetivo somente através da razão. Os empiristas recentes (como Locke) pensavam que poderíamos fazê-lo através dos sentidos. O último empirista cético Hume pensava que não poderíamos atingi-la totalmente, sem nenhuma incerteza. Kant negou a assunção comum de todas as três filosofias concorrentes, que deveríamos nominalmente alcançá-la, que a verdade significava conformidade à realidade objetiva. A "revolução copernicana" de Kant redefiniu a verdade em si como realidade conforme às ideias. "Até agora foi assumido que todo o nosso conhecimento deve estar conformado aos objetos... maior progresso poderá ser feito se assumirmos a hipótese contrária de que os objetos do pensamento devem ser conformados ao nosso conhecimento."
Kant afirmava que todo o nosso conhecimento é subjetivo. Bem, seria esse conhecimento subjetivo? Se sim, então o conhecimento desse fato também é subjetivo, etc, e estamos reduzidos a um infinito salão de espelhos. A filosofia de Kant é uma perfeita filosofia para o inferno. Talvez a maior parte das pessoas acredite que não há realmente o inferno, que isso existe só na sua cabeça. E talvez seja, talvez isso seja o inferno.

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