quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Sobre o Eros Filosófico
Pe. JAMES V. SCHALL, S. J.

O termo "eros filosófico" significa, grosso modo, que deveríamos buscar a verdade com a mesma paixão e zelo que desejamos a pessoa amada.

No livro sete da República, Sócrates pergunta: "O que, Glaucon, seria o estudo que levaria a alma do por ser ao ser?" (521d).

Essa é uma questão que nós não nos perguntamos todos os dias, mas talvez deveria ser feita. A questão é sobre um "estudo" que deveria nos incitar a considerar as coisas da máxima importância. Nós não damos esse passo automaticamente, por nós mesmos. Muitos de nós precisam ser acordados, ou mesmo cutucados. Nós precisamos ser "revirados", como Sócrates nos diz. Todavia, nós todos temos a capacidade de conhecer. De fato, mais do que qualquer coisa, essa capacidade nos define. Nós somos os seres que, naturalmente, buscamos conhecer, conhecer o que é, o que quer que seja.

Mais à frente, nesse mesmo livro, lemos: "Para as almas, você sabe, é muito mais fácil ser covardes nos estudos complicados do que nos exercícios físicos. O trabalho duro é mais perto de casa, na intimidade da alma, e não é compartilhado com o corpo." (535b). Isso é, apesar de ambos serem importantes, esportes são mais fáceis de compreender do que metafísica. Ainda que esportes também possam nos acordar para a existência de coisas dignas em si.

Quando lemos essa passagem sobre almas covardes, relembramos que o mesmo Glaucon foi chamado "corajoso" por Sócrates no segundo livro porque ele insistiu em perguntar a Sócrates sobre a verdade mesmo quando ele podia tecer argumentos persuasivos contra a sua possibilidade. A virtude marcial, coragem, vem a ser aplicada à inquirição filosófica, à insistência em saber a verdade, nada mais. Sem dúvida, poucas coisas são mais necessárias hoje em dia do que nossa coragem em perguntar sobre a verdade sobre as aberrações morais reinantes, agora crescentemente estabelecidas como lei e costume pelo nosso regime e com o consentimento da maioria de nós. Em um mundo em que o relativismo é o rei, a verdade é o mártir. Onde a verdade não pode ser dita, ninguém pode reformar sua vida.

Como é essa verdade entendida? Nossas cortes e universidades não são mais corajosas o bastante para perguntar se o que estão decidindo e ensinando é verdade. Para evitar responder a essa questão básica - "Isso é verdade?" - com uma resposta que não seja uma mera opinião, têm preferido seguir em frente, fazendo distinções e equívocos que possam permitir-lhes continuar minando nossa estatura moral e intelectual, de forma que possam justificar certos meios de agir e viver.

O termo "eros filosófico" vem dos seguidores de Leo Strauss. Se refere a Sócrates, obviamente. À primeira vista, a justaposição de "eros" e filosofia é tão estranho como justapor coragem e questionamentos filosóficos. Assumimos que "eros" e filosofia são opostos. Platão mesmo implicou nisso em seu famoso quinto livro da República. "Eros", por assim dizer, é uma palavra corporal; filosofia é uma palavra mental. Entretanto, a frase "eros filosófico" nos intriga. As idéias não nos deixarão a sós.

O termo "eros filosófico" significa, grosso modo, que deveríamos buscar a verdade com a mesma paixão e zelo que desejamos a pessoa amada. De fato, significa que, ao menos no cristianismo, podemos, se quisermos, buscar a verdade mesmo se abrirmos mão da consumação normal de eros no casamento. Mas, o eros filosófico e o casamento não estão em conflito, também, exceto talvez no sentido de São Paulo que o homem casado tem muitas coisas para se preocupar.

Nós vivemos em um tempo em que qualquer noção que a verdade existe ou de que deva ser buscada é identificada com fanatismo. O cético busca fanaticamente seu próprio ceticismo, enquanto os que buscam a verdade são chamados de "fanáticos". Enquanto o princípio da contradição continuar sendo a ferramenta fundamental da filosofia, percebemos que significa pouco para aqueles que não se importam em entregar suas almas à contradição, para que não tenham que reconhecer seus erros e mudar suas vidas.

Agostinho, em uma famosa passagem, nos conta que dois amores construíram duas cidades. Ele quis dizer que é igualmente possível buscar a falsidade e o mal, alegando serem bons, com o mesmo tanto de paixão que os santos buscam a verdade. "Eros", como tal, em outras palavras, que é simplesmente corporal, não é, ele mesmo, o critério último de verdade. O mártir é de fato uma vítima que sofre por sua causa, mas se não é uma vítima pela verdade, é duplamente perigoso.

O mundo, podemos dizer, é de alguma forma construído sobre idéias. Se as idéias vão mal, a estrutura do mundo humano irá mal. Não gostamos de admitir que nossas idéias "subjetivas" têm "consequências". Gostamos de pensar, com a Suprema Corte, que podemos construir nossa própria visão de realidade, sem a necessidade de nos perguntar se é verdadeira ou não. Em um mundo assim, não podemos nem conversar uns com os outros, nem ter alguma questão entre nós resolvida pela persuasão. O eros filosófico não nos deixa descansar com tais opiniões ilusórias em nossas almas.

Traduzido diretamente de: http://www.thecatholicthing.org/columns/2012/on-philosophical-eros.html


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A capelinha

"De que adianta então ganhar o mundo, e perder a sua alma?"Mc 8,36

A construção é pequena, paredes caiadas e brancas, o chão de terra. Uma amendoeira compõe a paisagem em meio ao calor de verão. As pessoas vão chegando, a pé, com uma simplicidade de coração que comove só de olhar. Domingo de manhã, algumas crianças correm pelo terreno, onde chegam também fuscas, brasílias e carroças. Um cachorrinho passa, e o pipoqueiro se posiciona estrategicamente. O padre espera todos à porta, devidamente paramentado, "Bom dia! Sejam bem vindos!". Bancos simples de madeira, algumas poucas janelas. Gentes de todas as cores, tamanhos e idades, vão se posicionando. Alguns seguram o terço, as mães acalmam as crianças e lhes explicam alguma coisa sobre ficar quietinho.

Um canto fácil e um violão dedilhado com suavidade, todas as rubricas com o maior zelo. Uma cruz no meio do altar testemunha o que vai acontecer ali. O povo de Deus se reúne e O busca, pois sabe que Dele precisa. Um silêncio que grita, uma fé pura, que não passa na TV, que não sai no jornal. Que segue em frente, sem doutorados nem mestrados, mas com sabedoria. São José à direita, Santa Maria à esquerda. Ao meio, o Sacrário do Deus Vivo, com a chama acesa do Amor que não se apaga. A Palavra que nutre, a exortação do sacerdote, a verdade limpa e clara, os olhos que se abrem, o reconhecimento das faltas e da própria pequenez. As proposições de nobreza, de virtude, de perseverança, de constância, de buscar o caminho correto, a retidão, a esperança. Movimentos quase imperceptíveis aos corações empedernidos. 

A fila de pés descalços e sandálias, a roupa de domingo e os sapatos arrumados, a confiança expressa em juventudes e rugas, em calos e sorrisos infantis. Ajoelham-se perante o Pão da Vida, entregue nas bocas famintas, frágeis e devotas. Não há histeria, mas um silêncio suave e tocante. Não há revoluções, mas mudança interior. Não há revolta, mas respeito profundo por uma tradição e uma sabedoria milenar, passada de pai para filho. Nem novo nem velho, é Eterno. 

Lá fora o mundo grita, esperneia, corre, discute, compra, vende, xinga, mata, aborta crianças indefesas, maltrata idosos, rouba dinheiro de hospitais e escolas, ensina crianças a desrespeitarem seu corpo e suas mentes, empurra porcaria goela abaixo pela TV, calunia, arquiteta planos maquiavélicos para ter poder, destruir as famílias e manipular a mente dessa gente. E as pequenas ovelhas, assustadas, vão em missão em meio aos lobos, certas de que seu Pai não lhes abandonará.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O comportamento introvertido é ruim ? - Conheça o poder das pessoas quietas


O chamado de uma introvertida a ação


Susan Cain, a autora de "Quiet: The Power of Introverts in a World That Can’t Stop Talking" (Quietos: O Poder dos Introvertidos em um Mundo que não Para de Falar"), é uma introvertida. Então, para que ela chegasse a apresentar no TED2012, não foi uma experiência confortável. Mas, foi uma experiência importante, este é o ponto.

Sua família cresceu lendo - eles liam juntos e levavam livros em suas viagens. Era assim que se socializavam. Ela contou a estória de uma ida a um acampamento quando tinha 9 anos. Sua mãe preparou para ela uma mochila cheia de livros para ler, quieta, o que normalmente sua família fazia nas férias, pensando que o acampamento seria da mesma forma. "Eu tive a visão de dez garotas sentadas em um pequeno quarto lendo livros, em seus pijamas." Mas, quando ela chegou ao "Acampamento Barulhento", foi ridicularizada na primeira vez em que leu um livro, e não pegou neles pelo resto do verão. Então ela demonstra sua atitude, colocando sua bolsa debaixo de uma mesa. 

Ela nos conta que tem pelo menos 50 estórias como esta. 50 formas, pequenas, em que a mensagem foi dada claramente: ser um introvertido é errado.

E isso a incomodou. Cain sentiu - teve uma intuição - que como introvertida ela tinha valor. Mas ela não sabia como articular isso naquela época, então se tornou uma advogada. Ela quis ser uma autora, mas todas as suas noções internalizadas sobre o que é bom a fez escolher, reflexivamente, a profissão associada a extroversão, escolheu ir a bares, ao invés de ter um agradável jantar com amigos.

Esta tendência, ela defende, representa perda para todos. Enquanto o mundo certamente precisa de extrovertidos, também precisa de introvertidos fazendo o que eles fazem melhor. Esta é uma tendência que não tem nome. Para entendê-la, precisamos entender que introversão não é não ser social, não é ser tímido, mas está relacionada com a maneira que a pessoa responde a estímulos. Enquanto os extrovertidos buscam interação social, os introvertidos são muito mais vivos quando estão sozinhos. Cain traz em sua tese o insight: "A chave para maximizar talentos é se colocar na zona de estimulação que é certa para você."

É uma lição muito simples quando ouvimos, mas muito difícil para alguém realmente agir desta forma. Como ela pontua, estamos vivendo em uma cultura que cada vez mais valoriza o pensamento em grupo. Nós acreditamos que a criatividade vem de espaços gregários muito estranhos. Na sala de aula, em que Cain e seus antigos colegas sentavam-se em colunas, para ler e trabalhar sozinhos, estudantes estão sendo colocados em grupos para que sejam membros de um comitê - mesmo para resolver problemas de matemática ou para escrever textos criativos. As crianças que preferem trabalhar sozinhas são vistas como casos problemáticos, e avaliadas como tal. Os professores reportam, e acreditam, que o estudante ideal é extrovertido. ("Mesmo que os introvertidos tenham melhores notas e conheçam mais.")

E acontece o mesmo nos ambientes profissionais. Introvertidos são rotineiramente preteridos para papéis de liderança. Esse é um problema real porque pesquisas mostram que, como líderes, introvertidos são mais cuidadosos, muito menos propensos a assumir grandes riscos e tendem a deixar que os membros criativos e proativos da equipe sigam com suas próprias idéias, ao invés de passar por cima deles ou esmagá-los - o que seria o comportamento ideal na empresa moderna.
De fato, diz Cain, alguns dos líderes mais transformadores na história - Eleanor Roosevelt, Ghandi, Rosa Parks - eram introvertidos. Cada um deles descrevia a si mesmos como quietos, de poucas palavras, ou tímidos. Essa quietude tinha um poder especial e extraordinário em si mesma. Pode-se dizer que esses líderes estavam lá porque não tiveram opção, porque eles estavam fazendo o que eles acreditavam que era certo.
É claro que Cain ama os extrovertidos, e ninguém é puramente intro- ou extrovertido. Nós todos estamos em algum lugar neste espectro. Mas, muitos de nós nos reconhecemos em um ou outro e "culturalmente precisamos de uma balança melhor, precisamos um Yin and Yang melhor entre estas duas coisas."

Solidão, como Cain diz, é uma chave para a criatividade. Darwin fazia longas caminhadas entre árvores e declinava convites para jantar. Dr Seuss escrevia sozinho, e tinha medo de se encontrar com as crianças que liam seus livros, pois receava que eles ficariam desapontados de ver como ele era quieto. Steve Wozniak dizia que ele nunca teria se tornado tão expert se tivesse saído de sua casa. É claro que a colaboração é boa (veja Woz e Steve jobs), mas há um poder transcendental na solidão.

De fato, a maioria das grandes religiões tem buscadores, Buda, Jesus, Maomé, cada um foi se retirar para aprender. Sem retiro, nenhuma revelação.

E as coisas que estamos aprendendo da psicologia afirmam isso. Não podemos estar em um grupo de pessoas sem olhar uns para os outros instintivamente, e grupos seguem as pessoas mais carismáticas, mesmo que não haja correlação entre ser um bom orador e ter boas idéias.

Mas por que estamos fazendo tão errado? Parte disso vem de nossa história. "As sociedades ocidentais sempre preferiram os homens da ação aos homens da contemplação. Bem, 'homem'." No topo disso, as pessoas estão se movendo para cidades e novos lugares, e ao invés de trabalharem com as pessoas que conheceram durante toda a sua vida, precisam conhecer e impressionar novas pessoas. Isso leva a uma linha de pensamento que valoriza ser popular e carismático.

Novamente, ela não está falando de eliminar o trabalho em equipe. Aquelas mesmas religiões ensinam amor e confiança, e precisamos disto mais do que nunca. Todavia, quanto mais dermos liberdade para que os introvertidos sejam eles mesmos, mais liberdade eles terão para aperecer com suas próprias e criativas soluções.

Cain então volta a sua bolsa e se oferece a nos dizer agora o que está nela. Eles são retirados e são: "Livros!". Três, de fato: Milan Kundera, Margaret Atwood e Eumonides. Esses são os autores preferidos de seu avô.

Seu avô era um rabi. Ele vivia sozinho em um pequeno apartamento no Brooklyn recheado de livros, e era o lugar preferido de Cain. Ele amava ler, mas também amava sua congregação. Ele lia constantemente, e ele "colheu os frutos de suas leituras e tecerias estas tramas intrincadas" para sua congregação. E também, enquanto falava, tinha problemas para manter contato olho no olho com as mesmas pessoas com as quais lidou por 62 anos. Em sua vida, quando alguém o chamava, ele terminava a conversa rapidamente, com receio de que estava desperdiçando o tempo do outro.

E quando ele morreu com 92 anos, a polícia teve que interromper a rua por causa da multidão de admiradores que queriam prestar suas homenagens.
Seguindo seu exemplo, Cain escreveu seu livro. Levou setes anos para escrever; sete anos de leitura, pesquisa, reflexão - valeram a pena totalmente. E agora que está pronto ela precisa sair pelo mundo e falar sobre ele. Isso não é uma coisa que vem facilmente, ou confortavelmente para ela. Mas, ela está animada, estes "anos de falar perigosamente", porque ela pensa que o mundo está prestes a mudar no tratamento com os introvertidos.
Para ajudar nisto, ela tem três chamados para ação:

1) "Parem com a loucura de constantes trabalhos em equipe." (A audiência aplaude.) As empresas precisam de conversas e bons espaços para interação. Mas nós precisamos de muito mais privacidade e mais autonomia. O mesmo é verdadeiro - mais verdadeiro - para escolas. Sim, ensinem as crianças a trabalharem em grupo, mas também as ensine a trabalhar sozinhas.
2) "Retire-se, seja como Buda. Tenha suas próprias revelações." Você não tem que construir cabanas nas árvores e ficar isolado, mas todos podemos nos desligar e nos concentrar em nossas mentes por um tempo.

3) "Dê uma boa olhada no que está dentro de sua própria bolsa e por que você colocou isto lá." Extrovertidos, cujas bolsas devem estar cheias de bolhas de Champagne e kits de sky-diving, nos agraciem com a energia e alegria destes objetos. Introvertidos provavelmente guardam os segredos de suas bolsas, e isso é legal.
"Mas ocasionalmente, só ocasionalmente, eu espero que você abra a sua bolsa ... porque o mundo precisa de você e do que você carrega."
Em um sinal de que ela está certa de que a mudança está vindo, quase o auditório inteiro, introvertidos e extrovertidos se levantaram para aplaudir de pé.

Traduzido de: TED blog

Veja também a introversão do Papa Bento XVI aqui.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Infinitos Mistérios

Poderia eu, através de minha finita percepção humana, conhecer a tudo, concebendo a Verdade em sua plenitude? Conseguiria o meu intelecto tão desprezível e limitado ter a noção exata e inequívoca do certo e do errado? Acaso sou eu melhor em algo que meus semelhantes? Acaso sou eu, tão humano, capaz de perceber, por minha única e exclusiva força e vontade, ter uma visão mais clara, mais límpida do que outros? Que méritos porventura possuiria para tal? Por que seria eu, este ser insignificante em um universo infinito, dotado de faculdades mais desenvolvidas que outrem? Mesmo que diferenças existam, seriam ínfimas diante da grandeza do universo e da infinidade de coisas que se precisaria conhecer para chegar a uma dimensão completa do que é a verdade acerca de todas as coisas. O que sabe um Phd comparado a um analfabeto é nada diante da grandeza do nosso planeta, que dirá do universo.
Acaso, portanto, o que não compreendo deveria ser tomado automaticamente como errado e falso? Ou existem coisas que ultrapassam meu entendimento, mas que podem perfeitamente ser verdadeiras, ainda que minha razão limitada não as alcance? Pedindo licença a Sócrates, então, quanto mais me aproximar das verdades que me cabe conhecer, com mais mistérios irei me deparar, assim como um balão que, quanto mais cheio, maior é a sua área  de contato com a atmosfera exterior.
Assim acontecerá com todas as ciências das quais não poderei tomar contato durante minha fugaz existência terrestre, da mesma forma também com várias outras coisas que nem mesmo todos os sábios do mundo conseguiriam explicar, nem que vivessem por toda a eternidade.
Mas, mesmo limitada, esta consciência certamente tem a capacidade de se expandir ao ponto de tocar a superfície do balão que se enche e perceber, estupefata, a existência de tais verdades insondáveis, inconcebíveis, infinitas, imponderáveis. E que muito mais existe para além deste pequeno balão e que nunca será conhecido, por mais que esta membrana se expanda, nem mesmo com a união de todos os seres inteligentes que possam existir.
Que não se negue, entretanto, a faculdade de conter algo de sólido e verdadeiro em uma consciência, digamos, “inspirada”. Esta negação seria uma pretensa verdade conhecida, que deveria, portanto estar contida em nosso balão da consciência, ou seja, ninguém poderia dizer: “Ninguém é capaz de conhecer uma verdade”, sem que este mesmo indivíduo não se contradiga a si mesmo, pois esta mesma é uma pretensa verdade.
Ó Racionalismo orgulhoso, será que não vê que não é razoável negar a sua própria limitação? Que para expandir a consciência é necessário um sopro que não seja forte demais para não ferir a sua capacidade? Que é tão antiga quanto a filosofia a noção de que quanto mais se sabe, mais mistérios se conhece? Assim como existem verdades que podem e são conhecidas pelo intelecto humano, também há aquelas que permanecerão por todo o sempre sob o manto do desconhecido.
Ou então não haveria o infinito? Verdade que nos é dada conhecer, sem todavia compreender...


Ó Incomensurável, dá-me sempre a humildade para conhecer o que me é dado conhecer e prestar a devida reverência aos mistérios da existência. Contemplando-te, tomo consciência de minha pequenez, ao mesmo tempo em que percebo a exata medida de minhas não nulas possibilidades. Isto mesmo não compreendo, este mistério insondável do existir, pois que é paradoxo se saber ao mesmo tempo nada e alguma coisa, como um único ponto infinitesimal em uma função matemática qualquer.

O que não se pode negar e nem explicar, aceita-se, simplesmente.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Desabafo

Perplexo caminho por este mundo, surpreso com a incoerência de alguns, com as desonestidades intelectuais e a torre de Babel que não tem fim. As pessoas discutem, concordam, discordam, a impressão é que quase sempre todos falam e ninguém se entende. Um fala A, outro entende B, que repassa para outro falando C, e o outro entende D. E as idéias vão seguindo num telefone sem fio e sem fim, de confusão em confusão, como se a humanidade fosse um imenso barco à deriva num oceano de incertezas. E ai de quem quiser ancorar em algum porto.

Simples questões como "em que você acredita e por quê?" são tidas como afrontas neste mundo relativista que considera radicalismo intolerável ter certezas absolutas, sem perceber que esta mesma é uma pretensa certeza absoluta.

Perplexo percebo que a verdade para alguns é como uma luz que ilumina demais e que incomoda aos olhos, ao ponto de a pessoa desejar voltar depressa para a escuridão. Preferem a caverna platônica e suas sombras, preferem criar os seus ídolos e "se sentir bem" com as verdades fabricadas. Ah, se ainda fossem por eles fabricadas, mas são meras repetições de idéias antigas, apresentadas como a última novidade. Mudam as moscas, mas o excremento não.

Atônito observo a repetição infantil de tudo que se ouve e vê, a recusa sistemática em parar para usar o intelecto, a burrice letrada "acha" demais e não tem nenhuma certeza, a burrice letrada lê de tudo um pouco e não sabe praticamente nada. A burrice letrada acredita no que diz a celebridade, especialista em fazer caras e bocas para sustentar seus "sólidos" argumentos científicos sobre qualquer assunto aleatório. A corrida atrás do rabo faz muitos, com pressa demais para perguntar se o caminho está correto, correrem a toda velocidad para lugar nenhum, como hamsters histéricos. E com muita pressa, morrem cedo demais pra se dar conta da sua pressa.

Talvez, se conseguirmos humildemente buscar, com um esforço a mais da razão, encontrar um pouco de coerência nas idéias e começar a clarear o caminho nesta noite escura, poderemos vencer as barreiras e incertezas e chegar em um lugar em que o céu seja límpido e ilumine nossas vidas sem cessar. Existiria, pois, tal lugar? Vale a pena buscar esse algo ou estaremos condenados a ficar na lama e no mofo, na terra fétida das nossas incoerências, no terror de nossos egoísmos e vaidades, que inexoravelmente vêm nos trazer novos pesadelos?

Pois se houver uma chance, mesmo que mínima, morreria tentando encontrar este jardim.

E de súbito percebo que a certeza da existência da luz começa pela percepção da existência da treva, que nunca seria tal sem a existência da luz.

Ó Luz, mostra-te, revela-te, ilumina meus caminhos, retira o mofo de minhas vestes, seca a lama dos meus pés, me deixe sair da caverna, me deixe ao menos saber da sua existência, pois somente a sua idéia já me ilumina por dentro e me faz crer que vale a pena buscar por Ti.